Por Isabelle Anchieta
A cultura de meritocracia
(...) Os concursos para escolher a próxima top model multiplicam-se; as revistas insistem em ranquear a mais sexy, a mais popular, a mais bem vestida; os programas de TV selecionam "feias" e "mal-vestidas" para transformar sua estética e, supostamente, sua vida. A magreza, a juventude e a moda embalam e alimentam essa cultura social que promove uma competição destrutiva entre as mulheres. Uma competição emburrecedora, na medida em que é alicerçada em um pilar extremamente limitador para a emancipação feminina: a beleza (enquanto única alternativa de ascensão social).
Criou-se no país, assim como é o futebol para os meninos, a idéia de que a única via do feminino é a beleza – ora através de uma carreira como manequim, ora através de um marido afortunado. É por essa razão que a beleza alheia incomoda, ameaça, na medida em que retira da concorrente a sua suposta "única" alternativa de ter seu lugar ao sol. Nesse sentido, Geisy* foi julgada por um falso moralismo que traveste uma outra questão fundamental: a competição feminina.
Ser bela continua a ser a maior obrigação feminina, patrocinada agora pelas campanhas publicitárias, pela moda e pelo consumo. Uma busca pelo corpo impecável, pela bolsa invejável, pelo cabelo que brilha mais que o das outras. Um sistema que cria, via beleza, mecanismos de controle e competição extremamente limitadores da experiência humana da mulher, enquanto ser humano capaz de múltiplas experiências e transcendências. Não que eu faça aqui um discurso anticapitalista, pois foi ele o único sistema que avançou efetivamente na ruptura do feminino com suas antigas coerções (religiosas e patriarcais) através dos valores laicos e pela consolidação do imaginário social igualitário-democrático que preza pela cultura da meritocracia (ou seja, se você for bom, não importa o sexo, a cor e a etnia, você pode ascender socialmente).
Crueldade feminina volta-se contra a mulher
Claro que não chegamos a um nível de igualdade minimamente aceitável. Segundo dados da revista Exame (2009), das 100 maiores empresas no país nenhuma possui mulheres na presidência. Mas é fato também que avançamos, tanto que a mídia cumpriu, no caso de Geisy, um importante papel ao posicionar-se contra a violência sofrida pela estudante – independente do encantamento ou não de Geisy por sua visibilidade midiática. Isso não desqualifica o ato e a violência, isso não a desqualifica, como querem alguns poucos, na medida em que o acontecimento transcende uma discussão particularizada e revela os atrasos na emancipação feminina no Brasil.
Desejo, por fim, fazer com que essa reflexão não seja apenas um "puxão de orelha" para as mulheres, mas um chamado à sua consciência. Essa delicada e difícil auto-reflexão que nos leva a desvendar tanto os nossos monstros e limites, quanto a nossa cumplicidade com o sistema cultural alienante a que nosso momento histórico nos condiciona. Pois não podemos nos furtar de não considerar que somos co-responsáveis por alimentar esse sistema, e que podemos, sempre, não compactuar com ele. Não somos seres determinados, alienados, dada a nossa capacidade humana, sempre renovada, de desviar o olhar, de não se tornar objeto, de nos emanciparmos e recriarmos a nossa cultura. Pois essa crueldade feminina reverte-se, mais cedo ou mais tarde, contra cada uma de nós.
(*estudante da UNIBAN, agredida por trajar um vestido curto)
Fonte: observatóriodaimprensa.com.br
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
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