terça-feira, 31 de agosto de 2010

A hora e a vez dos políticos nerd

Por Marcos Vinicius Gomes*

Segundo o dicionário Merriam-Webster o significado da palavra nerd é: "Uma pessoa desajeitada, sem atrativos ou socialmente deslocada; uma pessoa cegamente devotada a objetivos intelectuais ou acadêmicos". Resumindo, é um estereótipo de pessoas dedicadas de modo obssessivo a determinado assunto, geralmente associado à questões tecnológicas. É um termo fortemente associado à sociedade norte-americana, favorecido pelo ambiente favorável à criatividade e à inventividade. Um personagem simbólico do estereótipo nerd é Thomas Blanchard, jovem americano que viveu no século 19 e que ficou rico inventando equipamentos para produção em série, desde peças para armas até ferramentas, além de ter patenteado vários inventos. Também representam este estereótipo Bill Gates, que através de seus programas operacionais, popularizou o uso do computador, tornando - o de fácil operação; e Steve Jobs, fundador da Apple, uma das gigantes na fabricação de computadores pessoais.

Mais associado à questões técnicas e práticas, o nerd não circularia em um primeiro momento da vida política. Num país de herança latina como o nosso, onde os grandes oradores tem boas possibilidades de ascenção e liderança política, sobra pouco espaço para técnicos e pessoas especializadas em várias áreas. Apenas em setores especializados da administração pública, como secretarias com perfil técnico e tecnológico e áreas estratégicas parecem poder abrigar pessoas com este perfil profissional. Há um consenso geral de que a política se faz apenas por políticos de palanque com retórica hipnotizante, sedutora; para nós não existe política de bastidores, a administração seria levada apenas pelo eleito e suas intuições.Esquecemos que política não se faz apenas com retórica, mas com competência e qualidade também.

Nessas eleições, especialmente para presidente, há uma situação especial. Os três principais candidatos são políticos que possuem um perfil técnico, que poderiam se classificados como políticos nerd. Dilma Roussef, economista que nunca exerceu cargo eletivo, é conhecida nos bastidores como eficiente secretária de estado. Tem a complexa missão de seguir o legado de seu padrinho político, o presidente Lula - o que não será fácil, visto que Dilma é conhecida por ser técnica demais e ter inabilidade em algumas situações onde o improviso do discurso é necessário para a exposição de idéias. Apesar disso, ela demonstra que tem se aperfeiçoado na tentativa de amenizar a imagem de política desajeitada - a imagem de Dilma foi inclusive repaginada, ela abandonou os óculos e aposta em penteados novos, além de ter melhorado na argumentação quando confrontada pelos adversários políticos.

Outro candidato desta leva é José Serra, também economista e um político com mais tempo de estrada. Ele é conhecido pela facilidade no trato com números. Serra circula entre o perfil técnico e político, mas recentemente devido a falhas estratégicas em sua candidatura, o seu lado técnico (ou nerd) tem sido mais destacado. Os adversários o acusam de ser inábil no contato com a população, de ser personalista demais, arrogante e de não gostar de trabalhar em equipe. Serra, se fosse avaliado pelo lado da experiência política, talvez seria vitorioso no embate com Dilma. Mas como se destacar numa disputa onde a adversária é apadrinhada por um presidente que é ícone do brasileiro comum, por se enxergar nele? - um ex-sindicalista que vencendo preconceitos históricos se tornou líder de uma país com uma oratória cativante e simpatia popular e que na sua administração tem mostrado números expressivos de desenvolvimento, sendo este desenvolvimento reconhecido até no exterior? E ainda mais tendo essa candidata participado desse processo de desenvolvimento?

Também na corrida presidencial há uma candidata nerd com perfil diferenciado: Marina Silva, historiadora, que de origem simples e vida sofrida (aprendeu a ler aos doze anos), tornou-se lider de sua comunidade e pelo estudo conseguiu reconhecimento pessoal e político. Ela poderia ser classificada como uma eco-nerd, pois tem se empenhado no discurso ambientalista e defesa dos trabalhadores que vivem dos recursos naturais principalmente na amazônia. Finalizando, temos outro candidato nerd nas eleições deste ano, só que concorrendo para o governo de São Paulo: o ex-governador e candidato Geraldo Alckmin. Alckmin pode ser encaixado na lista de político-nerd: é adepto da administração técnica, não é um excelente orador, apesar de ser político de carreira. Quando foi vice-governador ao lado de Mário Covas, se diferenciava deste, um político tradicional de posições e discursos inflamados. Um jornalista paulista o apelidou de 'picolé de chuchu' devido a sua forma diferenciada de praticar política, sem grandes discursos e sem utilizar o personalismo que é algo tão característico da política nacional.

Seriam os políticos-nerd um novo horizonte na administração brasileira? Talvez sim, mas eles certamente se adequarão a esses novos tempos, transitando entre o lado técnico de administração pública e entre o lado político propriamente dito. São possivelmente o reflexo de uma nova era, onde lutamos para buscar o equilíbrio entre a administração da técnica - tecnologia e o lado humano. E o lado humano jamais pode ser ofuscado, seja pela valorização exagerada do tecnicismo (que no setor público vira tecnoburocracia) ou pelo culto cego à retórica inflamada, às vezes demagógica e com resultados sociais desatrosos. Tendendo para qualquer um dos lados, que perde somos nós eleitores e cidadãos, que pouco nos importamos se o candidato eleito tem o perfil tradicional ou nerd (técnico), mas apenas que sejam competentes e honrem nosso voto de confiança.

Fontes
http://www.merriam-webster.com/dictionary/nerd?show=0&t=1283182973
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u427946.shtml

Marcos Vinicius Gomes é Professor de Língua Portuguesa e Inglesa em São Paulo.

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